Segurança pública, Anistia Internacional e eleições
Transcrevo carta aberta da Anistia Internacional aos candidatos à Presidência e a governador. Meu entendimento é de que a carta nos mostra o retrato fiel da realidade que vivemos no PaÃs. Alguém precisava tornar público. Vejo muito radicalismo paternalista na defesa dos direitos humanos. Não só os encarcerados vivem atentados aos direitos humanos, mas principalmente a população em geral. Alguma providência há que ser tomada.
"No momento em que se aproximam as eleições de outubro de 2006, a Anistia Internacional se dirige a Vossas Excelências, candidatos à Presidência e aos governos estaduais, com o objetivo de reforçar a tradição de manter uma comunicação aberta e, ao mesmo tempo, entabular um diálogo positivo com os futuros governos. Aproveitamos ainda esta oportunidade para, juntamente com esta carta, apresentar-lhes um breve DVD com a mensagem da organização aos candidatos a cargos executivos nestas eleições.
A Anistia Internacional sempre conferiu um grande valor ao diálogo construtivo que mantém com os governos federal e estaduais do Brasil. A oportunidade de apresentar preocupações, casos e recomendações e de receber, ao mesmo tempo, propostas, posições e a visão do governo a respeito da situação dos direitos humanos é de imensa importância para a organização.
Durante as três últimas décadas, a Anistia Internacional --organização de ampla base social com cerca de 2 milhões de membros-- tem acompanhado de perto a situação dos direitos humanos no Brasil. No passado, a organização concentrou-se sobre casos especÃficos de violações dos direitos humanos, tais como a tortura e as execuções extrajudiciais, bem como em campanhas pela libertação de prisioneiros de consciência. Hoje, a Anistia Internacional começa a mirar as causas dessas violações, analisando, por exemplo, como a pobreza, a discriminação e a negligência do Estado criam ambientes em que os abusos de direitos humanos tornam-se banais.
Em 2003, estando à frente de uma delegação da Anistia Internacional que visitou o Brasil, conversei com representantes polÃticos federais e estaduais, vÃtimas de abusos de direitos humanos e policiais que sofreram ataques criminosos. A mensagem foi alta e clara. Todos os brasileiros --dos bairros afluentes e das favelas-- estão vivendo com medo, sem contar com a proteção que deveria advir do processo democrático.
Nas áreas de classe média, porém, além de haver maior presença da polÃcia, os condomÃnios são cercados por grades fortificadas e protegidos 24 horas por seguranças particulares. Em contraste, as comunidades carentes, abandonadas pelo Estado e sem dispor de recursos próprios, estão presas em um ciclo de violência. As periferias urbanas, marginalizadas e abandonadas, tornaram-se territórios sem lei controlados por grupos criminosos. A polÃcia, mal remunerada, mal treinada e mal equipada, é enviada a estes locais para lidar com os
sintomas da negligência do Estado. Os policiais, em conseqüência, acabam sendo tanto causadores quanto vÃtimas da violência.
PolÃticos de todos os partidos e nÃveis de governo me garantiram que a segurança pública era uma questão prioritária e que eles fariam o possÃvel para implementar estratégias de longo prazo voltadas a coibir a violência praticada tanto pelos criminosos quanto pela polÃcia.
Desde então, uma série de acontecimentos de grande publicidade veio enfatizar o fracasso no cumprimento dessas promessas. Em março de 2005, 29 pessoas foram mortas a tiros na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, por policiais militares fora de serviço, no que foi o maior massacre ocorrido na cidade até hoje. Um ano depois, a segurança pública voltava a ser destaque nos meios de comunicação quando o Exército saiu à s ruas do Rio de Janeiro para realizar uma tarefa para a qual não estava nem preparado nem autorizado legalmente --uma medida reativa de curto prazo que há anos vem caracterizando as polÃticas de segurança pública. Em maio de 2006, os ataques do grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital (PCC) paralisaram São Paulo, causando a morte de um grande número de brasileiros: agentes responsáveis pelo cumprimento da lei, supostos integrantes de gangues criminosas e outros cidadãos. Novos ataques continuam a atingir São Paulo, fazendo com que seus moradores vivam num estado de medo constante.
Como é do conhecimento de Vossas Excelências, apesar desses acontecimentos serem chocantes, a violência criminal e policial não é um fenômeno novo nas cidades brasileiras. O número total de mortes violentas tem subido a cada ano desde a década de 80, ultrapassando os 40 mil em 2004. O número de pessoas mortas pela polÃcia em situações registradas oficialmente como "resistência seguida de morte" permanece elevado em todo o Brasil, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Fora destes estados, uma delegação da Anistia Internacional que recentemente visitou o paÃs foi informada do ressurgimento de atividade de grupos de extermÃnio na Bahia, em Sergipe e Pernambuco.
Em um relatório sobre segurança pública lançado em São Paulo, em dezembro de 2005*, e em campanhas posteriores sobre este tema, a Anistia Internacional enfatizou que a violência e a exclusão social são dois lados da mesma moeda. A polÃtica de contenção da violência aplicada dentro das favelas brasileiras não é apenas flagrantemente injusta, como também é evidente que não está funcionando. Uma segurança verdadeira e efetiva não será alcançada enquanto os direitos de alguns forem defendidos à custa dos direitos de outros.
A Anistia Internacional reconhece a complexidade e a dimensão das dificuldades sociais e econômicas que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos, especialmente com relação ao aumento dos crimes violentos. Além disso, a organização também está ciente da posição extremamente difÃcil que se encontra a polÃcia, tendo de lidar com a crescente violência criminal em lugares nos quais, muitas vezes, são os únicos representantes do Estado. Durante os recentes episódios de violência provocados pelo PCC em São Paulo, a Anistia Internacional condenou publicamente os ataques dirigidos à polÃcia, instando, ao mesmo tempo, os policiais a reagirem estritamente dentro da lei.
Porém, a Anistia Internacional tem também enfatizado repetidamente que o Brasil enfrenta graves problemas institucionais mais amplos que permeiam todo o sistema de justiça criminal. O sistema prisional, superlotado e sem recursos, está reforçando a cultura de gangues com sua polÃtica de exigir que os internos tenham de escolher uma facção ao entrar. A corrupção na polÃcia e na polÃtica cria um ambiente sem lei onde o crime organizado floresce. Acima de tudo, porém, a postura discriminatória do Estado brasileiro frente à s suas comunidades mais vulneráveis acaba por criminalizar a pobreza.
Está na hora de todas as esferas de governo do Brasil --federal, estadual e municipal-- enfrentarem as causas dos problemas crônicos de segurança pública que tem o paÃs. É somente através de ações coordenadas que comecem a tratar da falta de serviços básicos nas comunidades carentes, seja de saúde, educação, saneamento ou habitação, que o Estado começará a recuperar estas áreas. Só então uma força policial reformada estará em condições de garantir a segurança de todos os cidadãos brasileiros, sejam eles ricos ou pobres.
A Anistia Internacional pede a Vossas Excelências, na condição de candidatos e potenciais detentores de cargos, que apresentem uma polÃtica de segurança pública de longo prazo, estruturada e financiada adequadamente. Mais especificamente, a Anistia Internacional pede que o próximo governo crie e implemente um abrangente Plano de Ação Nacional para reduzir a violência, que inclua três elementos básicos:
A introdução de um policiamento baseado nos direitos humanos, assegurando que os policiais possam realizar seu trabalho de modo eficiente e seguro; introduzindo um Código de Ética estatutário, com base nas normas internacionais e aplicável a todas as forças policiais; e investindo em um policiamento baseado em direitos humanos.
Um programa para reduzir radicalmente os homicÃdios policiais, oferecendo à polÃcia novas oportunidades de treinamento para o uso legÃtimo da força; promovendo o Código de Conduta da ONU para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei; e introduzindo mecanismos de supervisão e investigação externos.
Reforço do compromisso de controlar as armas, apoiando os esforços para a criação de um Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA); intensificando o combate ao tráfico de armas; e recolhendo e destruindo as armas ilegais e excedentes que poderiam contribuir para violações dos direitos humanos internacionais.
A Anistia Internacional exorta ainda Vossas Excelências a incentivarem um debate transparente sobre a questão da segurança pública, em todos os nÃveis de governo e com a sociedade civil, visando a adoção de medidas concretas para reduzir os nÃveis de violência nas cidades brasileiras.
Por fim, a Anistia Internacional espera que todos os candidatos e os futuros governos se disponham a aceitar o convite para se engajar com a Anistia Internacional, bem como outras organizações de direitos humanos, em um diálogo aberto que permita prosseguir com o debate acerca dessas questões da maior urgência e importância.
Atenciosamente,
Irene Khan
Secretária-Geral
Anistia Internacional"
* "Eles entram atirando: policiamento de comunidades socialmente excluÃdas no Brasil" (AMR 19/025/2005). Veja: http://web.amnesty.org/library/Index/ENGAMR190252005
"No momento em que se aproximam as eleições de outubro de 2006, a Anistia Internacional se dirige a Vossas Excelências, candidatos à Presidência e aos governos estaduais, com o objetivo de reforçar a tradição de manter uma comunicação aberta e, ao mesmo tempo, entabular um diálogo positivo com os futuros governos. Aproveitamos ainda esta oportunidade para, juntamente com esta carta, apresentar-lhes um breve DVD com a mensagem da organização aos candidatos a cargos executivos nestas eleições.
A Anistia Internacional sempre conferiu um grande valor ao diálogo construtivo que mantém com os governos federal e estaduais do Brasil. A oportunidade de apresentar preocupações, casos e recomendações e de receber, ao mesmo tempo, propostas, posições e a visão do governo a respeito da situação dos direitos humanos é de imensa importância para a organização.
Durante as três últimas décadas, a Anistia Internacional --organização de ampla base social com cerca de 2 milhões de membros-- tem acompanhado de perto a situação dos direitos humanos no Brasil. No passado, a organização concentrou-se sobre casos especÃficos de violações dos direitos humanos, tais como a tortura e as execuções extrajudiciais, bem como em campanhas pela libertação de prisioneiros de consciência. Hoje, a Anistia Internacional começa a mirar as causas dessas violações, analisando, por exemplo, como a pobreza, a discriminação e a negligência do Estado criam ambientes em que os abusos de direitos humanos tornam-se banais.
Em 2003, estando à frente de uma delegação da Anistia Internacional que visitou o Brasil, conversei com representantes polÃticos federais e estaduais, vÃtimas de abusos de direitos humanos e policiais que sofreram ataques criminosos. A mensagem foi alta e clara. Todos os brasileiros --dos bairros afluentes e das favelas-- estão vivendo com medo, sem contar com a proteção que deveria advir do processo democrático.
Nas áreas de classe média, porém, além de haver maior presença da polÃcia, os condomÃnios são cercados por grades fortificadas e protegidos 24 horas por seguranças particulares. Em contraste, as comunidades carentes, abandonadas pelo Estado e sem dispor de recursos próprios, estão presas em um ciclo de violência. As periferias urbanas, marginalizadas e abandonadas, tornaram-se territórios sem lei controlados por grupos criminosos. A polÃcia, mal remunerada, mal treinada e mal equipada, é enviada a estes locais para lidar com os
sintomas da negligência do Estado. Os policiais, em conseqüência, acabam sendo tanto causadores quanto vÃtimas da violência.
PolÃticos de todos os partidos e nÃveis de governo me garantiram que a segurança pública era uma questão prioritária e que eles fariam o possÃvel para implementar estratégias de longo prazo voltadas a coibir a violência praticada tanto pelos criminosos quanto pela polÃcia.
Desde então, uma série de acontecimentos de grande publicidade veio enfatizar o fracasso no cumprimento dessas promessas. Em março de 2005, 29 pessoas foram mortas a tiros na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, por policiais militares fora de serviço, no que foi o maior massacre ocorrido na cidade até hoje. Um ano depois, a segurança pública voltava a ser destaque nos meios de comunicação quando o Exército saiu à s ruas do Rio de Janeiro para realizar uma tarefa para a qual não estava nem preparado nem autorizado legalmente --uma medida reativa de curto prazo que há anos vem caracterizando as polÃticas de segurança pública. Em maio de 2006, os ataques do grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital (PCC) paralisaram São Paulo, causando a morte de um grande número de brasileiros: agentes responsáveis pelo cumprimento da lei, supostos integrantes de gangues criminosas e outros cidadãos. Novos ataques continuam a atingir São Paulo, fazendo com que seus moradores vivam num estado de medo constante.
Como é do conhecimento de Vossas Excelências, apesar desses acontecimentos serem chocantes, a violência criminal e policial não é um fenômeno novo nas cidades brasileiras. O número total de mortes violentas tem subido a cada ano desde a década de 80, ultrapassando os 40 mil em 2004. O número de pessoas mortas pela polÃcia em situações registradas oficialmente como "resistência seguida de morte" permanece elevado em todo o Brasil, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Fora destes estados, uma delegação da Anistia Internacional que recentemente visitou o paÃs foi informada do ressurgimento de atividade de grupos de extermÃnio na Bahia, em Sergipe e Pernambuco.
Em um relatório sobre segurança pública lançado em São Paulo, em dezembro de 2005*, e em campanhas posteriores sobre este tema, a Anistia Internacional enfatizou que a violência e a exclusão social são dois lados da mesma moeda. A polÃtica de contenção da violência aplicada dentro das favelas brasileiras não é apenas flagrantemente injusta, como também é evidente que não está funcionando. Uma segurança verdadeira e efetiva não será alcançada enquanto os direitos de alguns forem defendidos à custa dos direitos de outros.
A Anistia Internacional reconhece a complexidade e a dimensão das dificuldades sociais e econômicas que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos, especialmente com relação ao aumento dos crimes violentos. Além disso, a organização também está ciente da posição extremamente difÃcil que se encontra a polÃcia, tendo de lidar com a crescente violência criminal em lugares nos quais, muitas vezes, são os únicos representantes do Estado. Durante os recentes episódios de violência provocados pelo PCC em São Paulo, a Anistia Internacional condenou publicamente os ataques dirigidos à polÃcia, instando, ao mesmo tempo, os policiais a reagirem estritamente dentro da lei.
Porém, a Anistia Internacional tem também enfatizado repetidamente que o Brasil enfrenta graves problemas institucionais mais amplos que permeiam todo o sistema de justiça criminal. O sistema prisional, superlotado e sem recursos, está reforçando a cultura de gangues com sua polÃtica de exigir que os internos tenham de escolher uma facção ao entrar. A corrupção na polÃcia e na polÃtica cria um ambiente sem lei onde o crime organizado floresce. Acima de tudo, porém, a postura discriminatória do Estado brasileiro frente à s suas comunidades mais vulneráveis acaba por criminalizar a pobreza.
Está na hora de todas as esferas de governo do Brasil --federal, estadual e municipal-- enfrentarem as causas dos problemas crônicos de segurança pública que tem o paÃs. É somente através de ações coordenadas que comecem a tratar da falta de serviços básicos nas comunidades carentes, seja de saúde, educação, saneamento ou habitação, que o Estado começará a recuperar estas áreas. Só então uma força policial reformada estará em condições de garantir a segurança de todos os cidadãos brasileiros, sejam eles ricos ou pobres.
A Anistia Internacional pede a Vossas Excelências, na condição de candidatos e potenciais detentores de cargos, que apresentem uma polÃtica de segurança pública de longo prazo, estruturada e financiada adequadamente. Mais especificamente, a Anistia Internacional pede que o próximo governo crie e implemente um abrangente Plano de Ação Nacional para reduzir a violência, que inclua três elementos básicos:
A introdução de um policiamento baseado nos direitos humanos, assegurando que os policiais possam realizar seu trabalho de modo eficiente e seguro; introduzindo um Código de Ética estatutário, com base nas normas internacionais e aplicável a todas as forças policiais; e investindo em um policiamento baseado em direitos humanos.
Um programa para reduzir radicalmente os homicÃdios policiais, oferecendo à polÃcia novas oportunidades de treinamento para o uso legÃtimo da força; promovendo o Código de Conduta da ONU para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei; e introduzindo mecanismos de supervisão e investigação externos.
Reforço do compromisso de controlar as armas, apoiando os esforços para a criação de um Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA); intensificando o combate ao tráfico de armas; e recolhendo e destruindo as armas ilegais e excedentes que poderiam contribuir para violações dos direitos humanos internacionais.
A Anistia Internacional exorta ainda Vossas Excelências a incentivarem um debate transparente sobre a questão da segurança pública, em todos os nÃveis de governo e com a sociedade civil, visando a adoção de medidas concretas para reduzir os nÃveis de violência nas cidades brasileiras.
Por fim, a Anistia Internacional espera que todos os candidatos e os futuros governos se disponham a aceitar o convite para se engajar com a Anistia Internacional, bem como outras organizações de direitos humanos, em um diálogo aberto que permita prosseguir com o debate acerca dessas questões da maior urgência e importância.
Atenciosamente,
Irene Khan
Secretária-Geral
Anistia Internacional"
* "Eles entram atirando: policiamento de comunidades socialmente excluÃdas no Brasil" (AMR 19/025/2005). Veja: http://web.amnesty.org/library/Index/ENGAMR190252005
1 Comments:
Olá pessoal,meu nome é Sérgio Luiz,tenho 52 anos ,sou professor de teologia,moro em Saquarema-RJ e meu telefone é (22) 26538459 .
Desejo saber se há escritórios representativos de vossa organização no Rio de Janeiro e como posso contactá-lo.
Meu e-mail é guarapari52@hotmail.com
Atenciosamente, Sérgio Luiz
By wwwsaquarema.blogspot.com, at 11/7/09 19:07
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